Continuação Nietzsche para estressados

Continuação Nietzsche para estressados


NÓS , S E RE S  H U M ANOS  DO S ÉCU LO XXI ,
es t am os   “des nat ural i z ados ”  e  i s s o  m ui t as   vez es   nos   faz
parecer ex traterrestres  em  nos so próprio planeta. Mesmo o acreditando que a cultura e a civilização
t enham  s upri do nos s a porção m ai s  ani m al  e i ns t i nt i va, ai nda
preci s am os  m ant er cont at o com  o m undo nat ural .
Para t rat ar quadros  de ans i edade que nas cem  do ex ces s o de
t rabal ho  e  de  um a  l onga  perm anênci a  na  s el va  de  pedra,
es capa-das   de  doi s   ou  t rês   di as   para  a  nat urez a  podem   s er
m ai s  efi  ci ent es  do que a i nges t ão de m edi cam ent os .
Ao s ent i r o chei ro de t erra fres ca, o ar l i m po e o s i l ênci o, que
s ó  é  quebrado  pel as   pequenas   cri at uras   ao  redor ,
reencont ram os  nos s a es s ênci a por t ant o t em po abandonada.
C om o  di z   Ni et z s che,  na  ci dade  preci s am os   repres ent ar  um
papel   porque  es t am os   m ui t o  preocupados   com   o  que
pens am  de nós .  Mas , ao vol t ar à nat urez a, podem os  nos  dar
ao  l ux o  de  s erm os   nós   m es m os .  Não  preci s am os   nos   ves t i r
bem , fal ar ou at uar de m anei ra es peci al .  B as t a nos  dei x arm os
l evar pel o m undo nat ural  em  di reção ao nos s o  i nt eri or , onde
um  m ananci al  de t ranqui l i dade nos  es pera.
Preci s am os   pagar  pel a  i m ort al i dade  e  m orrer  vári as   vez es
enquant o es t am os  vi vos
NI E TZS CH E  S U G E RE  QU E  NÃO  H Á
apenas   um a  m ort e  ao  l ongo  da  ex i s t ênci a  hum ana.  No
decorrer  da  vi da,  vam os   vencendo  et apas   e  devem os  m orrer
–  s i m bol i cam ent e  –  para  poderm os   nas cer  no  es t ági o
s egui nt e.
E s s a  t rans i ção  de  um a  vi da  a  out ra  é  o  que  as   t ri bos   m ai s
l i gadas   à  t erra  cham am   de  “ri t o  de  pas s agem ”,  um   m om ent o
que nos s a ci vi l i z ação vem  abandonando.
O  ant ropól ogo  cat al ão  J.  M.  Feri cgl a  com ent a  o  as s unt o:
Sem  ent rar no m éri t o da rel i gi ão, a pri m ei ra com unhão era t radi ci onal m ent e  um   ri t o  de  i ni ci ação:   um a  port a  s i m ból i ca  que
conduz i a  da  i nfânci a  à  puberdade.  Os   m eni nos   g  anhavam
s uas   pri m ei ras   cal ças   com pri das   após   a  ceri m ôni a,
t rans form ando--s e  em   hom enz i nhos .  I s s o  coi nci di a  com   a  perm i s s ão  para
s ai r  à  rua  s oz i nhos ,  m es m o  que  apenas   para  com prar  pão.  O
padri -nho  cos t um ava  abri r  um a  cont a-corrent e  no  nom e  do
afi  l hado.
Tam bém   no  m om ent o  da  pri m ei ra  com unhão  os   m eni nos
ganhavam   s eu  pri m ei ro  rel ógi o,  o  que  s i gni fi   cava  um
cont rol e adul t o do t em po.
Um   bom   ex ercí ci o  para  t om ar  cons ci ênci a  das   vi das   que
ex i s t em   dent ro  de  nos s a  vi da  é  faz er  um a  rel ação  das   et apas
que  j á  s uperam os   e  veri fi   car  s e  houve  al gum   ri t o  de
pas s agem   ent re  um a  e  out ra.  Depoi s   podem os   pergunt ar  a
nós  m es m os :  “Qual  é a próx i m a vi da em  que quero nas cer?”
O  val or  que  dam os   ao  i nfort úni o  é  t ão  grande  que,  s e
di z em os   a  al guém   “C om o  você  é  fel i z !”,  em   geral   s om os
cont es t ados
NÃO É LU G AR-COM U M  DI ZE R
que  os   povos   aparent em ent e  m ai s   pri m i t i vos   dem ons t ram
s er  m ai s   fel i z es   que  a  s oci edade  oci dent al   cont em porânea.
Mui t os   s e  pergunt am   com o  pes s oas   que  não  t êm   nada  ou
quas e  nada  podem   s er  m ai s   bem -hum oradas   do  que  out ras
que t rabal ham  para acum ul ar t odo t i po de bens .
Será que a cont es t ação, com o di z   Ni et z s che, é um a m arca de
nos s a ci vi l i z ação?
Nas   convers as   t í pi cas   do  am bi ent e  de  t rabal ho,  nos   bares   e
nos   res t aurant es   as   quei x as   s ão  i nt erm i návei s :   recl am am os
das   t ax as  de  j uros , do  cus t o de vi da, do  ruí do  e  da  pol ui ção
que  as s o-l am   as   grandes   ci dades .  Tal vez   não  es t ej am os
faz endo  nada  para  rem edi ar  es s es   fat ores ,  m as   gos t am os   de
nos  quei x ar, o que acaba gerando angús t i a e es t res s e.
O  es t res s e  não  nas ce  das   ci rcuns t ânci as   ex t ernas ,  m as   da
i nt erpret ação  que  faz em os   del as .  Tal vez   o  s egredo  da
fel i ci dade  s ej a  dei x ar  de  nos   preocuparm os   com   fat ores   e
es t at í s t i cas   que  não  dependem   de  nós   e  nos   di vert i rm os
m ai s .
Nos s o  t es ouro  es t á  na  col m ei a  de  nos s o  conheci m ent o.
E s t am os  s em pre vol t ados  a es s a di reção, poi s  s om os  i ns et os
al ados   da  nat urez a,  col et ores   do  m el   da  m ent e COMO
SCHOPE NHAUE R ,  NIE TZSCHE   em   s ua  j uvent ude  s e
i nt eres s ou pel as  vári as  fi  l os ofi  as  que fl  ores cem  na Índi a.
Herdei ro  de  um a  l onga  t radi ção  es pi ri t ual   vol t ada  ao
conheci m ent o  pes s oal ,  R am ana  Mahars hi   t al vez   t enha  s i do
o úl t i m o
“grande  guru”  a  t rabal har  com   o  i ns t rum ent o  que  nos   t orna
hum anos :  a m ent e.
R am ana  es t i m ul ava  s eus   di s cí pul os   a  pergunt arem   a  s i
m es m os :   “Quem   s ou  eu?”  Quando  s oube  que  t i nha  câncer ,
t ranqui l i -z ou-os   di z endo:   “Não  vou  a  l ugar  nenhum .  Para
onde  poderi a  i r?”  Aqui   Ni et z s che  com para  a  conqui s t a  da
m ent e  a  um a  abe-l ha  voando  em   di reção  à  col m ei a  para
col her o m el  m ai s  puro.
Mahars hi   des crevi a  da  s egui nt e  form a  a  vi agem   às
profundez as  do nos s o i nt eri or:
As s i m   com o  o  pes cador  de  pérol as   prende  um a  pedra  na
ci nt ura  e  des ce  ao  fundo  do  m ar  para  bus cá-l as ,  cada  um   de
nós   deve  s e  m uni r  de  des apego,  m ergul har  dent ro  de  s i
m es m o e encont rar s ua pérol a.
Para  encont rar  es s a  pérol a  não  é  preci s o  peregri nar  à  Í ndi a
nem   s e  ent regar  a  com pl ex os   ex ercí ci os   es pi ri t uai s .  B as t a
ol har-m os  t ranqui l am ent e para o nos s o i nt eri or.
A  pal avra  m ai s   ofens i va  e  a  cart a  m ai s   gros s ei ra  s ão
m el hores  e m ai s  educadas  que o s i l ênci o
A M AI OR PARTE  DAS  G U E RRAS  PS I COLÓG I CAS
é i ni ci ada m ai s  pel o que não s e di z  do que pel o que s e di z .
V am os  i m agi nar um a cena:  A es t á chat eado com  B e parou de
fal ar  com  B  des de  que  es t e  s e  es queceu  de  l he  dar  os
parabéns   pel o  ani vers ári o. A  deveri a  t er  di t o:   “V ocê  não
s abe  que  di a  foi   ont em ?”,  m as ,  com o  fi   cou  m agoado  com   a
fal t a de at enção do am i go
– que, na real i dade, foi  apenas  um  es queci m ent o –, res ol veu
pagar  na  m es m a  m oeda:   o  s i l ênci o. B  acabou  s e  chat eando
c o m  A,  que  de  um a  hora  para  out ra  dei x ou  de  at ender  s eus
t el efonem as  e, quando cons egui ram  s e fal ar , não s e m os t rou
nada gent i l .
São  com port am ent os   i nfant i s ,  porém   m ui t o  m ai s   com uns   do
que  s e  i m agi na.  Quant os   cas ai s   bri gam   por  m al -ent endi dos
que  duram   di as   ou m es es   at é  s erem   es cl areci dos ?  A  fal t a  de
com uni cação  t am bém   es t á  na  ori gem   de  m ui t os   confl   i t os
vi vi dos  no am bi ent e de t rabal ho.
Não  di z er  as   coi s as   a  t em po  é  um   i m port ant e  fat or  de
es t res s e  no  m undo  t um ul t uado  em   que  vi vem os ,  poi s
pos s i bi l i t a  i nt erpret ações   equi vocadas   que  acabam   pes ando
cont ra nós .
Ni et z s che,  que  não  t i nha  papas   na  l í ngua,  afi   rm a  que  é
m el hor  ex pres s ar  nos s os   s ent i m ent os   –  m es m o  s em
encont rar  as   pal avras   adequadas   –  do  que  ofender  com   o
s i l ênci o.
Nos s a  honra  não  é  cons t ruí da  por  nos s a  ori gem ,  m as   por
nos s o fi m
COM O JÁ DI S S E M OS , AS  PE S S OAS
m ai s   fel i z es   e  real i z adas   s ão  as   que  s abem   aonde  querem
chegar  e  t êm   m et as .  Podem os   al cançar  nos s os   obj et i vos   de
form a m ai s  ou m enos  efi  caz , m as  o fat o de t erm os  vi vi do em
função  de  al go  acres cent a  um   val or  i nes t i m ável   à  nos s a
ex i s t ênci a.
Quando  enx ergam os   a  vi da  des s a  m anei ra,  nos s a  ori gem
hum i l de  e  os   erros   que  porvent ura  t enham os   com et i do  no
cam i nho  perdem   a  i m port ânci a.  C om o  di z   o  C orão:   “A  Deus
não  i m port a  o  que  você  foi ,  m as   o  que  s erá  a  part i r  des t e
m om ent o.”  Para  ver  com   cl arez a  e  at uar  de  form a  coerent e,
preci s am os   de  al go  pareci do  com   um   rot ei ro  pes s oal .
E x peri m ent e o s egui nt e ex ercí ci o:
1. Pegue um a fol ha de papel  e t race nel a um a l i nha vert i cal .
2.  E s creva  à  es querda  um   res um o  do  que  foi   s ua  vi da  at é
hoj e.
3.  À  di rei t a,  des creva  o  cam i nho  que  gos t ari a  que  el a
t om as s e a part i r des t e m om ent o.
4.  L ogo  abai x o,  anot e  os   pas s os   neces s ári os   para  s egui r  em
frent e com  s eu rot ei ro.
E  m ãos  à obra!
O hom em  que i m agi na s er com pl et am ent e bom  é um  i di ot a
S E  A CONS CI ÊNCI A NOS  TORNA H U M ANOS ,
a  i m perfei ção  t am bém   é  um   t raço  di s t i nt i vo  de  nos s a
es péci e.  Pas s am os   m ai s   t em po  repa-rando  erros   do  que
cons t rui ndo coi s as  de val or.
As s um i r  es s a  caract erí s t i ca  da  nos s a  condi ção  nos   aj uda  a
s er  hum i l des   e,  o  que  é  m ai s   i m port ant e,  nos   faz   t om ar
cons ci ênci a  de  quant o  ai nda  preci s am os   nos   apri m orar .
Todo fracas s o ou erro nos  ens i na com o faz er m el hor.
As   pes s oas   m ai s   i nfl   ex í vei s   e  perfecci oni s t as   s ofrem   as
cons equênci as   de  s eus   at os   i m perfei t os .  Se  al go  dá  errado,
cos t um am  col ocar a cul pa nos  out ros  e fi  cam  des cont rol ada
quando  al guém   m os t ra  qual quer  fal ha  que  pos s am   t er
com et i do.
Ni et z s che nos  dá o s egui nt e cons el ho:  é i nút i l  quererm os  s er
bons   o  t em po  t odo  e  faz er  t udo  cert o  –  o  que  i m port a  é
es t arm os   di s pos t os   a  faz er  um   pouco  m el hor  hoj e  do  que
fi z em os  ont em .
A  pal avra  j apones a wabi -sabi   defi   ne  a  art e  da  i m perfei ção:
no que é i ncom pl et o, i rregul ar e ant i go ex i s t em  vi da e bel ez a,
poi s   aí   es t á  cont i do  o  des ej o  que  a  nat urez a  t em   de
apri m orar a s i  m es m a.
As   pes s oas   que  nos   faz em   confi dênci as   s e  acham

aut om at i cam ent e no di rei t o de ouvi r as  nos s as

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