ROMANCE : O COMEÇO

A SAGA INQUIETANTE DE UM PRONOME QUALQUER.

I DIA TAL E HORA TAL. A CAMISA E OS BOTÕES.

Ele tinha lá suas dificuldades e isto parecia cabível ou plenamente cabível como o uso do advérbio neste caso.

Ele tinha um problema qualquer. Sempre aquele pequeno problema ou a tal dificuldade em fechar a camisa corretamente.

Já havia tentado algumas vezes no banheiro esta manhã. Foi realmente duro de rachar, mas ele conseguiu fazer o que tinha que ser feito.

Quero crer que tudo agora estava bem, mas não estava ou não poderia estar neste verbo intrigante e naturalmente incendiário.

A camisa em questão estava rasgada ou furada ou foi perfurada por alguém maldoso na parte de trás.

Vamos observar o fato de que todos no ônibus puderam ver aquele tal rasgo ou furo ou buraco na tal camisa adquirida numa loja de segunda.

Ele agora sabe muito bem que vai ter que jogar aquela tal camisa fora.

Ele salta do ônibus e se dirige ao trabalho. Ele dá o tal bom-dia a todos que não sabem que sua camisa tem um furo nas costas.

Ele se dirige rapidamente ao banheiro ocultando o tal furo nas costas. Ele se sente bem dentro daquele banheiro. Ele enredado na palavra banheiro. Ele aprisionado agora nas três sílabas da palavra banheiro.

Ele faz o que todo mundo deve fazer no banheiro. Ele urina, ele defeca, ele ajeita as calças no verbo de primeira conjugação ajeitar.

Ele abre as calças e tenta colocar a tal camisa com o tal furo nas costas para dentro das calças. O furo está acima da linha da cintura e não pode ser ocultado. Ele se vira de costas e sofre com o seu reflexo no espelho.

O furo lá está e não pode ser costurado por ninguém naquele instante. Ele vê o tal furo refletido no espelho. Ele agora olha para a tal palavra espelho que cresce em sua mente. Ele agora pode ver as palavras espelho e furo enraizadas no escuro de sua mente.

Ele agora consegue ver o além através da palavra furo na palavra espelho.

Ele consegue ocultar o tal furo. Ele coloca a camisa finalmente para dentro. Ele volta para a seção e percebe que tem outro problema.

Sabe que vai ter que ir até o almoxarifado para pegar qualquer coisa. Sabe que aquela tal mulher sente uma atração irresistível por ele. Sabe que também sente uma atração irresistível por aquela tal mulher. Sabe que sofre do tal problema crônico de ereção contínua. Sabe que fica sem graça pelo fato de ter que passar por todos os seus companheiros com aquele tal volume nas calças. Teme que os mesmos possam gozar com a sua cara. Teme que todos aqueles companheiros possam inventar um apelido inoportuno. Teme que sua mãe possa ficar vexada ao saber do apelido Teme o rótulo de tarado ou de maníaco ou de pervertido. Teme ainda que esta ereção se arraste para sempre ou para o resto de sua vida.

Ele gosta de reter os momentos como se estes não fossem mais passar. Ele fixa o olhar naquela mulher de coxas grossas e seios avantajados.

Ele se imagina em cima daquela mulher que o deseja. Ele se vê cavalgando aquela mulher que agora se dirige para ele com aquele tom de voz provocante:

- Posso te ajudar em alguma coisa?

Ela sorri ao dizer o que deve ser dito numa situação como esta ou numa ocasião como esta ou num evento como este ou num ritual como este.

Ele mantém ainda certa sobriedade e procura mostrar que não se intimida na frente de mulheres interessantes.

Ela percebe, bem no interior deste verbo perceber, aquele volume incrivelmente excitante em suas calças adquiridas numa liquidação de loja de segunda.

Ela tranca, bem no interior do verbo trancar, a porta do tal almoxarifado e sabe que ninguém vai importuná-los naquela terra de ninguém.

Eles se abraçam violentamente e tropeçam e caem por sobre as caixas de papel para impressora.

Ele a devora, no verbo devorar, em primeira conjugação ar. Ela o devora,no verbo devorar, em primeira conjugação ar.

A imagem do furo da sua camisa a martelar a sua mente enquanto ele invade a vagina daquela mulher com cheiro de repartição pública.

Ele quer sugar aquele tanto de coisa alguma que se mexe bem à sua frente. Ele quer penetrar para cobrir esta tal coisa tal que lhe escapa ou que lhe falta. O furo na camisa e o dinheiro que some ao passar na roleta do coletivo. As calças que caem e que o fazem passar vergonha no supermercado. Seus dentes esburacados que o impossibilitam de sorrir abundantemente. A caneta que nunca está no lugar certo, no momento no qual a mesma se faz mais do que necessária. A tal camisa sempre com um buraco ou uma mancha qualquer.

Ele pode ver através do tal furo tudo aquilo que havia vivido nestes anos tortuosos.

Ele então tenta voltar para casa. Está na parada do ônibus e percebe, bem no interior do tal verbo perceber, que nada tem a fazer em relação ao que quer que seja. Percebe que perdeu os tais centavos necessários para a passagem. Não tem ou nunca teve a coragem necessária para pedir ao trocador que o deixe passar por debaixo da roleta. Não tem a coragem necessária para simplesmente não pagar a passagem e soltar por trás. Não tem ou nunca teve a coragem necessária para pedir uma carona ao motorista.

Ele pensa naquele tal furo na camisa, naquela imagem ao mesmo tempo patética e angustiante, naquela imagem refletida no espelho que se constitui na abertura pela qual ele se vê obrigado a repensar sua existência ordinária.

Ele agora transpira na parada, na sua condição de mero pronome e decide que vai andar até a sua casa.

Ele conta o tal dinheiro e teima em não aceitar a idéia de que faltam apenas aqueles míseros centavos para completar a tal passagem.

Ele enfia a mão no bolso da frente da calça, ele enfia a mão no bolso de trás da calça, ele enfia a mão no bolso da camisa, ele enfia a mão no bolso do casaco, ele enfia a mão na carteira, ele enfia a mão dentro das meias, ele enfia a mão dentro dos sapatos, ele enfia a mão dentro da agenda, ele enfia a mão dentro da palavra mão, ele enfia a mão dentro da palavra pé, ele enfia a mão dentro da palavra furo, ele enfia a mão dentro da palavra impossível no além de qualquer palavra impossível.

Ele sabe que aquela será uma caminhada de quinze longos minutos. Ele tenta esconder o furo da camisa com o tal casaco que tem um furo bem na altura da axila direita.

O tal casaco é um tanto curto e esconde parcialmente o tal furo na camisa daquele pronome com cara e jeito de pronome.

Ele se lembra daquela rua, daquela tal rua na qual ameaçou de morte o amante de sua ex-mulher. Chovia muito naquele dia e ele andava um tanto desconfiado em casa. Ela havia saído e deixado um bilhete sucinto por sobre a mesa da cozinha. Ele cismou de sair naquele dia, naquela hora, cismou de ir ao tal lugar de costume para tomar uma cerveja.

Eles dois a conversar alegremente no carro comprado com o sangue e o suor de seu trabalho. Ele se aproxima do carro e começa a destroçá-lo com as mãos num acesso de raiva. Ele se lembra daquele bilhete no qual ela dizia que havia ido tomar um pouco de ar fresco.

Ele exasperado começa a destruição pela parte da frente. Ele quebra os faróis do carro, ele quebra o vidro da frente do carro, ele amassa o pára-choque do carro, ele estraçalha o pára-brisa do carro, ele fura os pneus da frente, ele amassa as calotas da frente do carro, ele destrói a lataria da frente do carro, ele sobe em cima do carro, ele destrói a capota do carro com uma marreta poderosa, ele quer destruir os dois que estão dentro do carro, ele quer matar os dois tais que estão dentro do carro, ele quer se matar agora que nada pode fazer com aqueles dois que estão onde deveriam estar.

Os dois que estão dentro do carro, resolvem agora sair para conversar. Eles cometem um erro ao pedir que ele tenha ou mantenha ou tente se manter calmo no verbo manter.

Ele desconhece agora o adjetivo calmo. Ele agora emparedado na palavra desespero. Aquele furo em sua camisa atravessando a sua mente como um feixe de pensamentos sem paragem. Ele agora olha para os dois que dizem o que tem que ser dito. Ele pede para que os dois tais não falem mais nada. Ele pede para que eles sigam suas vidas em paz. Ele se despede dos dois e sente vontade de dar um tiro na boca de cada um.

Ele chega a tal residência e tem dificuldades em abrir a porta. Sempre que está a ponto de fazer o que tem que ser feito, sabe-se que ele sente uma incontrolável vontade de ir ao banheiro. Ele já começa a urinar nas calças quando finalmente abre a porta. Ele corre para o tal banheiro e consegue eliminar o resto daquele nada amarelo na latrina ou privada. Ele sente prazer logo após aquela excreção consideravelmnte árdua. O seu pênis ainda ereto o faz lembrar do fato de que não faz amor há algum tempo.

Ele ajeita as calças e ainda permanece naquele banheiro. Pensa numa tal amiga que gosta de sexo oral. Ela disse para ele que era uma especialista no assunto. Ela sempre soube que ele era obcecado por sexo oral. Ele olha para aquele pênis agora imprensado dentro de seu suporte íntimo. Ele abre a porta do tal banheiro e esbarra na figura de sua mulher que o abraça de forma acalentadora. Ele percebe que o cheiro de suas axilas não é lá dos melhores. Percebe que o seu desodorante já venceu. Ela não se importa e mordisca seu pescoço carinhosamente. Ele sabe que ela quer ser possuída ali mesmo. Percebe que ela quer levar tapas na cara ou nas nádegas ali mesmo. Percebe que ela é aquele mito repleto de suor. Ela é aquele mito com a vulva toda molhada à sua frente. Ele a come ali mesmo no verbo comer. Eles se perdem no interior da palavra banheiro. Eles se perdem no interior da palavra interior. Ela fecha os olhos no verbo fechar. Ela fecha os olhos no verbo fechar. Eles fecham ao abrir os olhos no verbo abrir.

Eles saem do banheiro e se dirigem para aquela cama de casal no tal quarto naturalmente aconchegante. Eles estão estirados na tal cama no interior da palavra exausto.

Ela percebe que ele tem uma espinha e decide que a mesma deve ser espremida. Ele percebe o que ela quer e não permite que ela faça o que pretende fazer.

Ela insiste no fato de que o que ela tem que fazer é assaz importante. Ele não concorda com a assertiva da tal mulher ou esposa. Ele não permite que ela encoste a tal mão no seu rosto. Ela se irrita e diz que ele está cheirando mal. Ela se irrita e diz que não agüenta mais aquele mau hálito. Ela se irrita e diz que os sapatos daquele homem fedem mais do que nunca.

Ele ouve aquilo tudo como se alguém estivesse agora a esfaqueá-lo com um punhal.

Ele, este pronome qualquer agora deitado naquela cama qualquer, agora se lembra daquele furo no verbo pensar.

As calças

Que a tal camisa tivesse que ser do jeito que ele queria, isto não era então muito relevante.

Aquele furo que devassava sua alma até nas horas de lazer, isto era definitivamente relevante.

Ele podia ver a tal camisa furada no cesta de roupa suja quando ia a cozinha.

Ele sentiu que a palavra amarrotado o fitava de forma convidativa.

Ele começa então a refletir sobre sua existência no interior da palavra amarrotado. Ele olha ao redor e agora percebe que está só.

Ele sabe que vai ter que passar as calças para ir ao tal casamento.

Ele sabe que sua esposa muito preza a palavra pensamento. Ele tem medo da palavra pensamento. Ele teme que a palavra pensamento se aposse de sua alma.

Ele sabe que o pensamento é cruel.

Ele se deixa invadir por aquela crueldade no interior da palavra pensamento. Ele sabe que se livrou da tal camisa furada por alguns dias. Ele sabe que tem que colocar aquilo que tem que ser colocado. Ele sabe que sua mulher estará de volta em breve. Ele gosta da palavra breve. Ele já sabe que sua camisa agora não mais está amarrotada. Ele sabe que fica muito bem quando veste qualquer tipo de calça.

Ele está apenas de cueca a passar as calças na cozinha ou na área de

serviço.

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